sexta-feira, 1 de junho de 2018

Relatos desconexos de uma viajante insone ao longo de 28h (a caminho de Roma)

Escrito em notas do meu celular entre os dias 19/05 e 20/05. Sérias edições feitas em 31/05 (a palavra “comissários” estava escrita como “comissoiaweios” e 3 línguas foram identificadas na documentação dos acontecimentos).

Atenção: você está prestes a embarcar no meu extremamente confuso fluxo de pensamentos, ligeiramente alterados pelo fuso horário e algumas (muitas) medicações passageiras. Você foi avisado.







São 4:40 da manhã. Em Caxias do Sul, o termômetro da estação aponta 3°C. Meu look pode ser descrito como o de um esquimó que vai passar as primeiras férias na praia (ele não sabe muito bem o que vai precisar, então resolve colocar tudo de uma vez). No meu destino final, faz 38°C.


Rodoviária deserta. Serração baixa. A vida normal de um caxiense. Me escondo no banheiro por 30 minutos, até o meu ônibus para Porto Alegre chegar. Achei tudo aquilo muito normal naquele momento: eu, minha mala e minha mochila protegidos em um forte impenetrável de segurança, também conhecido como toalete feminino.


Não me lembro muito dessa primeira fase da viagem, só que estava escuro e que o teto do veículo parecia brilhar como se abrigasse 1 bilhão de estrelas. Dormi muito bem, obrigada.


Uma vez no aeroporto de Porto Alegre (8:05 AM), fiz meu check-in muito rapidamente. Fui na maquininha, digitei tudo certinho, e no final, óbvio que não imprimiu tudo direitinho. Tive que entrar na fila na mesma forma (pra quê ter, então, se nunca dá certo?) Será que a minha mala vai chegar?


Não tem problema. É um dia histórico. Assisti o casamento real por um stream do twitter usando o 4G do meu celular, já na sala de embarque. Gastei todos os meus dados e me desfiz em lágrimas (marejadas) pelo menos umas 3 vezes - discurso do pastor, irmã da Diana e só vendo mesmo os noivos sentados.


É engraçado. Eu odeio casamentos.


Ao meu lado direito, uma moça da minha idade curte no Instagram todas as fotos do evento que eu estou assistindo ao vivo. Ao meu lado esquerdo, um senhor de 60 anos lê em espanhol notícias sobre o casamento que eu estou assistindo ao vivo.


Lembro que achei tudo isso muito bonito na hora.


Senti que fazia parte de algo maior do que eu - e que dessa vez, pelo menos uma vez, o mundo estava conectado para acompanhar uma história com um final feliz. Eu, a moça, o senhor - nós estávamos sorrindo.


Chame-nos de bobos sentimentalistas (ou fanáticos imperialistas), mas nós três testemunhamos história naquele dia. Fizemos história: nós estávamos lá, separados, juntos, desse jeito maluco que a tecnologia tem a nos oferecer. O sorriso é uma linguagem universal.


É claro que aí tinha que chegar a Alitalia e estragar o meu humor alto-astral matinal.


Eu nunca vi um voo mais bizarro do que aquele, guardem: Guarulhos/Roma, número 675, saída 14:50, chegada 07:05 (horário local). Estávamos dando um salto no tempo. E que salto foi esse, que chegou até a abrir uma realidade paralela no contínuo espaço-tempo.


Pra começar, os comissários do voo eram completamente lunáticos. No nível “fuck this job.


Demoraram 2h para resolver o sistema de entretenimento de bordo (somente 5 tvs no avião todo estavam ligadas) sem explicação nenhuma, num voo de 12h, sob a lei de marcial de “só cruze os dedos e espere ser um dos sortudos”.


Não serviram a bebida na minha fileira em 2 das refeições e houve um momento bizarro em que todos eles desapareceram da aeronave. Dez minutos depois, ouvimos um barulho estranho vindo da rabeta e todos estavam batendo palmas, cantando e abrindo um espumante.


Sem brincadeira.


O que não era brincadeira mesmo era o assento extremamente desconfortável em que eu supostamente deveria descansar pelas próximas 12 horas. A parte superior da cadeira era apoiada por um tijolo (e o travesseiro que te dão só serve para amenizar a dor nas tuas costas, sabe... por ficarem apoiadas em um tijolo por 12 horas).


Eu não consegui dormir.


E assento de avião é uma roleta russa, não?


Ô casal inconveniente que sentou do meu lado (eu estava no corredor) - homem insuportável, barulhento, tomou 6 taças de vinho durante o voo, derrubou 1, me deu 7 cotoveladas e os dois me fizeram levantar 2478 vezes a cada meia hora - às vezes só pra “conversar” alto com um amigo do lado.


Não é como se eu quisesse dormir mesmo.


Já com 6 horas de voo, formei uma frase complexíssima em italiano para explicar que não haviam me servido Coca 2 vezes nas refeições.


Tive que pensar no verbo no particípio.


Me serviram a Coca. Me negaram uma água.


Mas foi no meio do deserto do Sahara que eu, finalmente, entrei em parafuso.


Faltavam 4 horas de voo ainda. Tudo desligado - luzes, televisões, tablets. Na tela central, a informação de que estávamos sobrevoando o deserto pelo que já pareciam horas.


E eu, em pé pelo avião, vagando sem rumo pela segunda classe, o sono a quilômetros de distância mesmo com a ajuda de 2 remédios diferentes.


Naquele momento, eu compreendi o sentido real da palavra marasmo.


Minha pele secou. Me tranquei em um cubículo mais uma vez pela próxima meia hora. Passei quilos de hidratante na minha cara. Não ajudou muito.


Carlinhos quebrou o controle remoto da tv dos anos 80.


Carlinhos cuspiu um pedaço de carne no assento da mulher sentada no corredor ao lado dele. Ela não percebeu.


Carlinhos dormiu o voo inteiro, o que me deixou extremamente enfurecida.


Assisti The Greatest Showman, The Last Jedi em italiano, Divertidamente, Enrolados (também em italiano) e uma parte de Liga da Justiça. Não consegui terminar a Liga da Justiça 3 vezes.


Comemos sanduíches gelados que pareciam pedra.
P.S.: a carne com ervilha tava boa.


E enfim, 12 horas depois, chegamos em Roma.


Porque Tel Aviv, meu amigo, é outra história.




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quarta-feira, 30 de maio de 2018

Israel Travel Vlog | 2018






Fiz uma compilação dos meus 4 dias em Israel (sim, os camelos eram reais) neste humilde vídeo (também conhecido nos grandes círculos da Internet como travel vlog). Enjoy!

O próximo vídeo será da Itália (e muitos textos estão por vir também)! Guentem um pouco haha

quinta-feira, 17 de maio de 2018

Coisas mágicas acontecem quando você diz "eu te amo"



Nunca me considerei uma pessoa dada a exageros. Algumas pessoas diriam que isso é muito “capricorniano” da minha parte, mas eu não consigo comprar a ideia de que a posição aleatória das estrelas no universo influencie tanto nas complexas personalidades que cada um de nós seres humanos apresente (“Isso é exatamente o que um capricorniano iria dizer.”)

Reflexões astrológicas à parte, eu sempre considerei o “eu te amo” um exagero. Algo que deve ser expressado, não verbalizado. Lembro de responder mensagens de “eu te amo” da minha mãe com o emoji de uma carinha feliz. Ou dar uma de Han Solo ao ouvir a confissão e proferir um emblemático: “Eu sei.”

Mas depois de mais de 2 anos morando sozinha, tendo saído de casa com problemas não-resolvidos com a minha mãe e o resto da minha família, percebi, na verdade, o quanto eu não queria ficar sozinha. Pior, me sentir sozinha.

Comecei com passinhos de tartaruga. “Eu te amo, filha.” “Me, too ♥”

Era difícil. Parecia dar espaço a uma vulnerabilidade que eu preferia suprimir à luz do dia. Então comecei a trabalhar na editora e estava feliz, então dizia: hey, olhe só pra mim sendo uma pessoa grande e traçando meu próprio caminho. “I love you, miga. Que orgulho de você, Karlinha.” “love you too”.

Quando começamos a trabalhar com o livro O Poder do Eu Te Amo, eu sabia que seria um daqueles difíceis. Não havia assistido o vídeo ainda quando tivemos a apresentação explicando qual seria o próximo lançamento.

Até hoje, se alguém vier me perguntar, eu juro que não sei explicar o que aconteceu naquele dia. Se foi a TPM, um clima propício ou só a água finalmente transbordando para fora do balde. Eu ouvi o Piangers. Absorvi as palavras que ele dizia, com tanta sinceridade e segurança. E naquele momento, eu acreditei nele.

Eu chorei. Chorei muito. Mandei o link para os meus pais. Meu irmão. Minhas amigas. De volta, recebi da minha mãe um áudio de 15 segundos:

“Eu te amo, filha. Eu te amo muito, muito, muito, muito. Eu te amo demais. Eu te amo.”

“Eu também te amo muito, mamãe.”







#digaeuteamo

Leia mais depoimentos aqui: https://bit.ly/2ImUGpH

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

A noite em que o Brasil parou pra rir da minha cara


Post original (12/12/2017) aqui.

Plena terça feira, reta final do período, trocentas coisas pra fazer, mala para arrumar... e eu aqui passei o dia todo pensando nela. Só nela.

A maldita daquela barata.

Tem coisas que você só descobre depois de começar a morar sozinha. Não estou fazendo nenhuma análise psicológica sobre como lidar com a constante solidão quando a única companhia disponível é a de si própria, ou sobre a arte de jantar pipoca nas quintas-feiras, nem sobre os hábitos questionáveis de dançar Reggaeton bem baixinho na madrugada.

Não é nada disso. Na verdade, o problema que eu vim compartilhar hoje é muito mais simples do que isso. Quando você mora sozinha, se você não mexe em uma coisa, ela continua no mesmo lugar.

Parece óbvio, não é? Entretanto, peguemos como exemplo prático uma garrafa de suco que eu comprei em agosto e ainda se encontra fechada na minha geladeira. Eu nunca consegui abrir. Todo dia eu tento um pouco, às vezes ajuda, às vezes aperta mais, até serrar a tampinha com uma faca eu já tentei.

A garrafa nunca abriu. A moral é: até as tarefas mais simples tornam-se complicadas quando você é o único ser responsável em existência que pode ser culpado pelos seus próprios erros.

Vejam bem, eu definitivamente não sou a pessoa mais organizada do mundo, mas desde que eu me mudei para cá 2 anos atrás, eu sempre levantei o queixo de orgulho ao falar que nunca tinha encontrado um bicho na minha casa. Só, é claro, o animal do meu irmão que tacou fogo no meu banheiro, mas isso é outra história.

Nenhum inseto. Mosca, percevejo, aranha, pode enumerar. Nunca achei UM. Justamente por essa frágil ilusão de segurança, nada poderia ter me preparado para o pesadelo que eu vivi esta noite.

A caminho do banheiro, sonolenta, noto uma movimentação estranha na periferia do meu olho direito. “É o vento,” penso, ainda distraída. Mas a janela está fechada.

Viro na direção daquele barulho levemente desconcertante e enfim a vejo. Em toda a sua glória. Gigante. Medonha. Cascuda. Majestosa. E o melhor de tudo: ela voa.

A barata está lá, relaxando em cima na persiana do quarto, com as antenas balançando para cima. Cautelosamente, eu estudo meus próximos movimentos. O tênis mais próximo está a 2 metros de distância. Eu me aproximo, com calma, sem tentar assustá-la. É a chance perfeita. Eu só preciso manter a compostura e...

“AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA MORRE MORRE MORRE SUA DESGRAÇADA!”, eu grito, dando chinelada após chinelada na persiana mesmo, a visão vermelha de ódio.

A persiana quebrou. Se desfez todinha. Acho que o proprietário não vai ficar muito feliz quando souber disso.

E a barata... ela sumiu.

Cadê a bicha. Pra onde foi.

A minha vontade é de passar detefon na casa inteira. Morrer sufocada, levar a inimiga pro inferno comigo. Mas então eu percebo, com extremo pesar, que eu não tenho veneno em casa. Eu só tenho o meu sapato. Um livro bem pesado, talvez. Mas somente a minha força bruta como arma.

Vocês acham que eu ia desistir? NUNCA que eu ia dormir com aquela barata possivelmente escalando a minha cama. Já se aproximava das 2 da manhã. Foi quando algo extraordinário aconteceu.

No dia em que o meu guarda-roupa foi montado, vieram 3 homens aqui em casa pra carregar o negócio pro quarto e mais 2 para montar. Com uma força sobre-humana, eu, Ana Karla, empurrei o guarda-roupa de 4 portas pro outro lado do quarto sozinha. Eu afastei a cama para longe da parede.
Movi o espelho. Revistei o sofá. Engatinhei, pulei, chequei o lado de fora da janela. Desliguei a luz. Esperei. Liguei de novo. Nada.

Uma hora depois, eu finalmente a achei.

Ela estava entre o colchão e a madeira da cama. Quietinha. Espreitando. Ela sabia que o meu objetivo era assassinato. Eu quis vomitar.

Eu peguei a enciclopédia e, com um golpe certeiro, acertei a bicha. Ela voou. Como um personagem de RPG, eu troquei de arma e agarrei o tênis e fui acertando a bicha até ela ficar encurralada no canto, entre a cama e o guarda-roupa.

Não era necessário muito esforço após isso, agora eu vejo com clareza. O xeque-mate havia sido dado. Momentos depois, ela já não se mexia mais. Ainda assim, eu continuei o meu ataque. Eu matei aquela barata com tanto, tanto ódio. Eu dizimei a raça dela. Eu gritava, fora de mim, “MORRE MORRE MORRE”, até não sobrar nada no chão além de fluidos marrons e negros com texturas diferentes.

A barata estava morta.

Eram 3 da madrugada.

Eu... venci? Era mesmo verdade? Foi então que eu senti um arrepio na espinha. Eu não sabia que eu era capaz de tamanha agressividade.

Tanta... frieza.

Eu poderia ter resolvido aquela situação com tanta facilidade: barata na persiana, abrir a janela, empurrar a barata para fora com um pano, fechar a janela. Mas não. Eu escolhi a rota genocida, a rota stalker com final infeliz para ambas as partes. Aquilo me fez pensar.

Fui para a cama e dormi tremendo, depois de tomar uma caixa de Toddynho.

Hoje, ao acordar às 7 da manhã, notei que a janela agora estava emperrada. Eu não conseguia mais colocar o guarda-roupa de volta. Até o espelho parecia pesado.

Parece que o monstro finalmente havia saído de mim.

O meu único arrependimento?

A absolvição da minha alma imortal? Não ter dado à barata a chance de dizer suas palavras finais? Não ter limpado a casa direito no final de semana? Não ter controlado o meu instinto assassino, herdado dos primeiros homens amazônicos ao encontrar uma saúva? Ter ousado a me aventurar para longe do conforto de casa, rumo à terra de baratas desconhecidas? Ter feito a decisão de morar sozinha?

Não.

Eu só tinha um pensamento em mente.

Eu deveria ter aberto aquela bendita garrafa de suco ontem à noite.

domingo, 11 de dezembro de 2016

Uma retrospectiva introspectiva


Eu era (mais) jovem e achava que o mundo inteiro me receberia de braços abertos e com um manual de instruções. Não aconteceu exatamente assim. Sai ano, entra ano, e eu aqui continuo a enfrentar o meu maior e mais longo desafio como membro ativo da sociedade: o pavor de não parecer um ser humano bem ajustado.

Reconhecendo o meu privilégio de contar com experiências maravilhosas proporcionadas por uma família financeiramente estável e que só deseja que eu seja feliz, por muito tempo me senti culpada por ser "assim", por algum motivo incapaz de aproveitar plenamente as oportunidades que a vida me entregava, sem conseguir tomar as rédeas do meu futuro.

Mas nem sempre foi desse jeito.

Foi logo após do aniversário da décima sexta pirueta que o planeta Terra deu ao redor do Sol após o meu nascimento. Eu estava vivendo sozinha na terra dos reis e rainhas que definiram o rumo dos acontecimentos que vieram a marcar a narrativa deste mesmo planetinha azul no último milênio - Londres. A cidade era grande demais e eu, diminuta. Graciosa onde eu era inadequada, tradicional onde eu era exceção, firme e estável como os leões de pedra do rio Tâmisa. 

E eu? Eu estava lá no meio, existindo no meio da multidão, tentando não atrapalhar o fluxo.

E aí, aconteceu. E aconteceu de novo. E de novo. E continuou acontecendo. Algumas vezes eu soube lidar, muitas outras não. Peguei o ônibus errado e fui parar em outro distrito, perdi o trem à noite no meio da nevasca e me vi sentada no final da linha, fui abraçada por estranhos na rua e achei que estava sendo assaltada, paguei por coisas desnecessárias porque não consegui dizer não, deixei de comer em vários lugares por não conseguir captar como pedir a comida sem chamar atenção, não participei de vários programas divertidos por não saber como agir normalmente, deixei de fazer amigos por não acreditar que alguém realmente fosse ter interesse em me acompanhar na minha jornada. Eu estava meio... fora de controle. Um tucunaré fora do Rio Solimões.

Arfando. Hiperventilando. Sentando no chão da estação. Gaguejando e chorando e desistindo e levantando e aprendendo. Vaguei as ruas daquela cidade milenar com a minha câmera e o meu bloco de notas dia após dia e construí minhas memórias incríveis mesmo assim, no meu ritmo, nos meus termos - com as minhas difíceis limitações.

A ansiedade é um mal terrível e silencioso, que vai corroendo por dentro todas as vontades e sonhos e esperanças até transformá-los em uma massa uniforme e cinza, inquieta e sem emoções. Não, não dá para se "acalmar" ou "tentar não ficar nervosa" ou "pensar que é tudo coisa da sua cabeça". Não é assim que funciona. Muitos aqui com certeza se identificam com isso também. 

Mas nada que a minha cruel ansiedade tenha me privado doeu tanto quanto essa história que teve seu início frustrante em janeiro de 2013 e finalmente encontrou o seu final feliz em fevereiro de 2016, quatro anos depois. História de superação? Nem tanto. Mas uma conquista válida mesmo assim.

E ela tem tudo a ver com um certo pintor impressionista holandês.

Quando eu tinha 15 anos e já apresentava sinais de um gosto um tanto quanto duvidoso para homens, me descobri apaixonada por Vincent Van Gogh - sim, o pintor. A vida dele me fascinava e eu passava horas na Internet assistindo documentários e lendo livros das cartas de correspondência dele para sua família e colegas. "Noite Estrelada" era a minha junção de cores e formas predileta em todo o universo - e existem rastros dessa fase inclusive neste mesmo blog, que felizmente já está aqui há 7 anos tornando públicas todas as minhas obsessões adolescentes.

Sendo assim, no momento em que pisei na Inglaterra, sabia que precisava visitar o museu de arte da National Gallery, onde estão expostas várias da obras do Van Gogh. Mas o que acontecia ao invés disso diariamente era mais ou menos assim: 

Hoje é o dia em que eu vou acordar, pegar o trem e o metrô, atravessar Trafalgar Square e entrar no museu. (Mas ninguém quer ir comigo, então talvez eu vá amanhã).
Hoje é o dia em que eu vou acordar, pegar o trem e o metrô... (Mas tá nevando e eu ainda não aprendi o caminho. Talvez amanhã.)
Hoje é o dia em que eu vou acordar... (Não consigo sair da cama. It's too much. Amanhã.)

Um dia, porém, acordei disposta e os sinais do universo pareciam auspiciosos, então fui. Tendo 1 pequeno ataque de pânico quando a moça da recepção me fez algumas perguntas sobre um panfleto que ela estava entregando, eu adentrei a ala principal e finalmente pude respirar.

Certo, pensei. Agora é só seguir as placas até chegar na exposição.

Mas as alas se estendiam e se aprofundavam e se intercalavam e eu fui me vendo cada vez mais perdida, no meio de hieróglifos egípcios e porcelanato romano. Onde está a bendita ala pós-impressionista? É só uma das pinturas mais famosas do mundo.

Horas se passaram. Eu não achei o quadro. Precisava ir para a aula e já estava exausta socialmente.

Tudo bem. Outro dia eu volto e procuro as pinturas. É uma questão de honra agora.

Uma semana depois eu voltei, dessa vez com um mapa em mãos. Estava completamente ignorando o fato de ter uma habilidade de ecolocalização pior do que a da baleia beluga do filme da Dory, por sinal. É só seguir o mapa. O mapa é claro e não mente e não é uma pessoa e não me julga se eu errar o caminho.

Não preciso dizer que não achei a seção naquele dia. Talvez ela nem existisse e fosse só uma construção da minha mente febril, talvez os corredores estivessem se duplicando, e se eu olhasse para cima as pinturas estariam com rostos borrados e tudo aquilo fosse produto de um sonho sadístico de uma mente com muito mal gosto, e pior de tudo - minha.

Tentei outra vez mas não passei da escada, de onde tirei essa foto.



Eu voltei para o Brasil naquele ano me sentindo um fracasso. Se ao menos eu tivesse perguntado para alguém, se ao menos eu tivesse engolido aquele pavor por 10 segundos, se eu não fosse tão... mas eu sou tão... e nunca vou... e ninguém pode saber.

Os anos se passaram e eu aprendi uma coisa ou duas sobre como ser um humano bem ajustado. Fale menos, sorria mais... não deixe ninguém saber a sua opinião de fato. Vai dar tudo certo porque você merece. #EntendedoresEntenderão

E a vida seguiu em frente, eu e a ansiedade caminhando lado a lado como eternas rivais que precisam da outra para sobreviver - Coringa do meu Batman, Moriarty do meu Sherlock Holmes, a bruxa do meu conto de fadas.

Nesse ano de 2016, então, não paramos um minuto. Mudamos de cidade, de estado, de faculdade, de curso, aprendemos a morar sozinhas, uma com a outra, 24 horas por dia. Tivemos que aprender a lidar com o fato de que a Disney era passado e que todo o resto empalidece em comparação, uma das poucas coisas que concordamos e lamentamos.

Mas no placar Eu X Ansiedade, inserido no jogo mortal Mundo X 2016, eu ganhei um ponto que me tirou do negativo e que ela (e o ano de 2016) nunca vão poder aceitar. Porque foi feliz demais. E assim eu durmo um pouco mais tranquila à noite.

Era Londres novamente, só que completamente diferente. Era Nova York. Eu estava mais velha, mais vivida, e não estava sozinha. Eu estava realizada, feliz, e melhor - eu não estava esperando.

Eu aprendi a falar em público, a esconder o meu pânico, a entrar em estabelecimentos e pedir por ajuda. Aprendi a let go e ser livre de vez em quando e não ter medo do ridículo. Aprendi a iniciar conversas, a abrir contas no banco, a ligar para marcar as minhas próprias consultas médicas, a ir ao cinema sozinha e responder pelos meus próprios erros.

Parecia até que eu tinha vencido.

E eu venci mesmo, naquele dia - em que estávamos comemorando um trabalho bem feito numa das empresas mais influentes do mundo, lembra? Só aproveitando a companhia de amigos e a cultura da cidade mais cosmopolita do mundo, sem a austeridade de Londres sufocante ao redor.

Não era a National Gallery, mas era o Museum of Modern Arts, e de repente, sem aviso, entre uma gargalhada e outra, eu havia chegado na ala pós-impressionista. Sem ao menos procurar. Assim, de mansinho, como quem não quer nada, como um reencontro de uma amizade sincera perdida com o tempo.

Lá estava ela. A Noite Estrelada.

Onde você esteve esse tempo todo?, ela parecia me perguntar da sua moldura.

Eu? Eu estive caminhando lenta, mas certamente, em direção a você.

Naquele dia, a Ansiedade ficou calada no meu subconsciente em sinal de respeito, pois ela sabia o quanto aquele momento era importante para o meu progresso narrativo. Mas ela me forneceu, discretamente, lembranças de uma frase que eu pensava que havia esquecido:


E para 2017, o que eu desejo para todos nós? Um passinho atrás do outro. Certeza mesmo teremos de nada... mas que a visão das estrelas nos permita sonhar.

Parabéns por mais um ano vencido, pessoal. Até a próxima e boa noite.

segunda-feira, 21 de março de 2016

WOL Merchandise Hollywood Studios

Strollers, risos e papel Geami. Ou coisas que não voltam mais.

Quem fez, sabe: é difícil colocar a experiência do ICP em palavras. Como explicar o sentimento etéreo de ver seu parque fechado na madrugada e ter as luzes piscando só para você? As indagações loucas que passam pela cabeça quando se está sozinho e entediado no balcão? As risadas descontroladas por cada coisa besta ou até trágica? Eu só tenho uma palavra para nós, alumni: Michelina's. Em algum lugar desse país gigantesco, algum ser humano se identificou e está sorrindo, e é disso que eu estou falando, pessoal, - é inexplicável. Somos todos loucos.

Loucos para voltar.

"Voltar pra Disney? Mas já? De novo?" Não, amigos. Voltar pra casa.

Casa mesmo eu já tive duas na vida. Uma é um apartamento em Manaus, a outra é o Hollywood Studios. A primeira é bem normal e não tem fogos de artifício toda noite, nada emocionante, então acho que vocês não vão me impedir de falar só sobre a segunda.

E que casa legal, hein? Tem gente que não acha tanto assim. Essa casa sofreu umas perdas recentes e por enquanto está com um futuro incerto, mas quem seria eu para não defendê-la? Adeus, meu querido chapéu de feiticeiro, e que você descanse em paz. Adeus, Pizza Planet. Adeus, Osborne Lighs. E Honey, I shrunk the kids. E show chato dos carros. E aquele tour pelos bastidores. Adeus... caixa d'água? Esperem, parem, já tá bom... Oh não. Adeus, Right Block? SEGUREM O FANTASMIC! PROTEJAM ESSE BENDITO SHOW, NINGUÉM ENCOSTA!

Mataram até a minha work location? Como eu vou terminar esse WOL se a minha área nem existe mais? E os newcomers, como farão? O que farão?

Calma, gafanhotos. Positividade. Tudo vai dar certo no final. Tem coisas novas vindo, Star Wars e Toy Story, e posso afirmar que vão ficar bem legais. Ok? Enquanto isso, a gente espera (e reza).

Mas vamos falar de coisa boa? Vamos falar sobre Transtar? Tô brincando.

Vamos falar sobre como é trabalhar nesse parque colorido e um tanto confuso, mas sempre amigável e acolhedor.

Quando saíram as work locations e eu li Right Block, eu não lembrava o que era um stroller. Hoje eu não posso ver um stroller que me dá vontade de empilhar.

O Right Block, antiga locação do Sorcerer's Hat do Mickey, era composto por duas áreas: Oscar's Super Service, lugar onde ocorre o aluguel de strollers e ECVs, e as lojas à direita da Hollywood Boulevard: Celebrity 5&;10, Cover Story e The Darkroom.

                              

O que aconteceu foi que uma pessoa teve uma ideia muito brilhante um dia dormindo e resolveu que seria muito da hora juntar os dois lados da rua, pra sobrecarregar o cast e os gerentes, e deixar para o Right Block somente os strollers e uns carrinhos abertos na entrada, porque... por que não?

Eu não vi essa mudança acontecendo e ninguém ainda me explicou direito como as pessoas estão sobrevivendo, mas sei que na minha memória o Right Block continua sagrado e imaculado.

O que é um stroller?, você deve estar se perguntando. São aqueles carrinhos de bebê que as pessoas empurram pelo parque e tentam levar para dentro das montanha-russas, sem sucesso. E um ECV? É um scooter motorizado que serve para atropelar pessoas e fazer um barulho bem irritante quando engata a ré.

Mas não se intimidem por essas descrições bem sinceras, a gente passa por bons momentos ao lado deles. É uma relação amor/ódio, interdependência, cumplicidade. I know my way around a stroller.

Se você for merchandise e tiver treinamento de strollers, preste atenção, porque são essas as posições que você vai ter durante o dia em rotação:

Stacker/unstacker: Basicamente, empilhar, desempilhar e limpar strollers e cadeiras de rodas, conforme a necessidade. É divertido porque geralmente tem uma pessoa com você e é um trabalho nos bastidores, e acredite, você vai adorar trabalhar nos bastidores sempre que possível. Existem luvas e instrumentos de limpeza, então não se preocupe, não é nada difícil. É lá que acontecem as conversas mais profundas da sua vida com seus coworkers sobre a vida, o universo e tudo mais. I heart stacking (menos quando a pessoa ao seu lado é folgada, aí já viu).

Guest Distribution: você fica lá na frente recebendo tickets e colocando os crachás em cada stroller, ocasionalmente brincando com um bambolê como parte do seu trabalho. Todo mundo ama ser guest distribution (e todo mundo acaba sendo guest distribution o tempo todo, porque é preciso).

Classic Cars 1, 2 e 3: são as três caixas registradoras em que você faz o aluguel dos quatro modelos de transporte: single stroller, double stroller, cadeira de rodas e ECVs. Classic Cars 3 é a posição mais odiada por ter que lidar com contratos e pessoas mal humoradas que não entendem que só pode sentar uma pessoa no scooter e crianças não são permitidas. Sim, está totalmente carregado. Não, não pode devolver no seu hotel. Desculpe, mas temos uma lista de espera. Sim, eu entendo completamente, senhor. Não, eu não posso fazer nada. Sim, eu posso chamar o gerente. Não, o gerente também não vai poder fazer nada, pois temos uma lista de espera. E assim vai.

Classic Cars 1 e 2 são bem tranquilos por ficarem dentro da loja no ar condicionado, e também vendem bebidas geladas, remédios, coisinhas de bebê e pelúcias. Nunca me importava de ficar no 1 ou 2, exceto no início quando tudo era novo e a registradora me assustava. Mas a gente acaba pegando o jeito rápido.

Crossroads: inferno na Terra. Mentira, eu até gostava. É uma loja aberta em formato de círculo bem na entrada do parque e também era um centro de informação. O problema era que as pessoas chegavam lá e esperavam que você soubesse tudo, não só sobre o parque, mas sobre todos os parques e hotéis e ônibus e shows e reservas e fastpasses e personagens e se tinha o tal boneco em tal loja. Também alugávamos armários. Não dava pra ficar um segundo parado, o que é uma coisa boa, e agora com os fogos de artifícios de Star Wars, é a melhor posição no parque para assisti-los. Agora, quando estava -1 grau no sol, era um pouco difícil ficar ali sozinho congelando onde o vento faz a curva.

Valet: a todos a quem isso possa interessar, eu não sei dirigir. Claramente isso não interessou aos meus coordenadores, porque eu vivia nessa posição. Era um trabalho frequentemente simples e requeria que eu passasse muito tempo sentada, o que sempre é um alívio num shift de 14 horas. Basicamente, nós trazíamos os ECVs para o estacionamento on stage e levávamos as devoluções de volta para o backstage, onde estacionávamos os dito cujos perto das tomadas. Ser Classic Cars 3 com um valet ativo deixava o trabalho 60% mais fácil. Talvez hoje eu esteja preparada para dirigir de tanto que eu já estacionei carros na ré sem espelho.

Outra coisa sobre os valets é que se um ECV quebra em alguma parte do parque, é você que precisa levar o guincho com um scooter novo para fazer a troca, e isso sempre é no mínimo uma experiência muito interessante, porque quase nunca eles estão quebrados/descarregados de verdade e o seu trabalho todo pra chegar lá foi inútil, mas hey, pelo menos você passeou um pouquinho.

Lembro claramente de quando recebi a ligação dizendo que tinha um ECV quebrado dentro do Launch Bay no meeting com o Chewbacca num dia lotado. Demorei meia hora só pra chegar lá, passando com cuidado entre a multidão com a minha buzina ignorada, e o guincho se desmontando duas vezes. Depois, tive que passar por dentro da fila com um carro preso no outro em um espaço mínimo, ouvindo todo tipo de comentários de pessoas com um claro desejo de morte, porque ninguém saía da frente.

Aiai, hoje eu acho engraçado, Uma hora depois eu já tava achando engraçado, porque não tinha nada errado com o ECV e mesmo assim eu troquei e pedi desculpas pelo inconveniente, levando mais 20 minutos para voltar pro Oscar's. Cheguei lá e gritei "I DIDN'T KILL ANYONE!" e todo mundo vibrou. São as coisas mais absurdas que a gente sente mais falta.

Agora algo que eu definitivamente não sinto falta eram dos dias fatídicos em que eu fechava o parque no Oscar's e precisava recolher todas as cadeiras de rodas descartadas no estacionamento. Não, não existe um carrinho que faz isso, somos nós cast members que pagamos o pato. Pense em trabalhar um dia inteiro em pé e receber meia noite a função de ir lá fora com um colete neon, algumas vezes no frio, de empilhar cadeiras com rodinhas ruins e arrastá-las pelo estacionamento gigante da Disney até a locação delas dentro do parque. Não parece muito agradável, e realmente não é, mas se mandam seus colegas brasileiras juntos, é zoeira na certa.

                                                   
O que eu realmente gostava era de ir procurar strollers perdidos pelo parque depois que ele fechava. Você basicamente passeia sozinho pelo Studios com luzes todas acesas, e nesse último ano, com as incríveis Osborne Lights acesas, e basicamente tem as ruas inteiras só para você. Era emocionante descer a Sunset Boulevard duas da madrugada com a Tower of Terror coberta em neblina, me sentindo a própria mocinha de um filme de apocalipse zumbi. Lembro de estar atrás da Tower, completamente no escuro, quando de repente um gato preto pula do portão (a Disney solta gatos à noite pra combater os roedores). Só tive um pequeno ataque e corri.

Ou então, estava rodeando a Tower - porque tudo de sobrenatural sempre tinha que acontecer lá - quando de repente escuto um estouro altíssimo engolfando o silêncio absoluto da madrugada. Estavam soltando fogos de artifício num parque que NÃO tinha show de fogos. Dá pra imaginar o meu susto. E essa é a história de como estavam ensaiando para a estreia do Symphony of the Stars de Star Wars.

Então, como vocês podem ver, a vida com strollers tem suas alegrias e tristezas. Mas, brincadeiras à parte, nós também temos a grande responsabilidade de lidar com as pessoas que mais precisam de um nível Disney de atendimento. Não são só pais com crianças pequenas e inquietas que procuram esses serviços, ou gente que simplesmente não quer andar. São cadeirantes, pessoas com dificuldade de locomoção, crianças com câncer e outras doenças de partir o coração. Nós somos o primeiro contato delas ao chegarem no parque e o último contato ao saírem, então a mágica precisa começar conosco e acompanhá-las o dia todo.

Um tarde, uma mãe chegou com uma filha de dez anos sorridente e de olhar distante, e quando a menina sentou na cadeira, a mãe desabou ao meu lado. Ela disse que a filha estava com fibrose cística e estava ao poucos perdendo a visão, e por isso ela a trouxe para a Disney: para que ela pudesse ver o castelo pela última vez. E são nesses momentos que você entende porque está ali. No treinamento, nós precisamos escrever em letras maiúsculas no caderninho: I CREATE HAPPINESS. Não tem muito significado lá, timidamente rabiscado em uma sala fechada, com todo o futuro na sua frente lhe encarando. Mas ali, com as mãos sujas de tinta e o cabelo preso num rabo improvisado, fazendo aquela garotinha rir com o seu aceno, ali tudo faz sentido. I am a cast member. I create happiness. I am essential. I change lives.

Sim, eu fico cansada. Sim, é difícil sorrir todos os dias. Sim, às vezes a gente quer jogar tudo pro alto, chutar a pilha inteira de strollers e voltar pra casa. Mas alguém precisa fazer isso. E eu fiz. Assim como todos os outros que eu conheço que literalmente deram o sangue pela empresa para manter aqueles carrinhos em pé. Por orgulho, por caráter, por dedicação. Muito obrigada por empilharem strollers comigo, amigos. See ya real soon.

Eu sempre fico muito emocionada falando sobre strollers. Enough with them. Vamos falar sobre papel Geami. Já estou arrepiada.

Na Celebrity 5&10, o protocolo é assim: você compra, a gente embrulha. Pense numa loja em que NADA é à prova de gente desastrada. No período do ICP, ela que normalmente é uma loja de cozinha vira uma loja de Natal, cheia de ornamentos, enfeites, figuras de porcelana e tudo que pode quebrar ao mínimo toque. E quebra. Ah, se quebra. Para isso, a Disney não tem plástico bolha para oferecer de consolo aos viajantes. Tem algo melhor, e se chama papel Geami. Tudo na loja é embalado naquele super papelão, e se você já sente o meu desespero, imagine aquela senhora que vai fazer o rancho da árvore de Natal dela nessa loja e chega no balcão com 20 enfeites de árvore, todos prontos para serem embrulhados separadamente, numa fila de proporções pós-Fantasmic. A adrenalina subia e golpeava sangue para todos os músculos do meu corpo, coisas que eu só estou sentindo agora depois de voltar, toda travada.

Mas se na 5&10 a gente não tem um segundo de descanso, na Cover Story a vontade de dormir é total. Basicamente, nós ficamos lá paradinhos enquanto os fotógrafos fazem todo o trabalho de escolher e editar fotos ou pequenos álbuns, só precisando da nossa assistência na hora de pagar, o que demora uns 20 segundos, contrastando com os 20 minutos que eles passam com cada guest.

Só o que ninguém te avisa é que o seu trabalho vai ser quase que completamente de intérprete e tradutor, às vezes até de línguas que você não fala (o que é sempre bem divertido, só que não). No final do ICP eu já fazia até o trabalho do fotógrafo e explicava todos os pacotes, sendo que no início eu morria de medo de me mandarem pra lá porque não entendia nada de photopass, magic bands e Memory Maker. Parece que o mundo dá voltas, não é mesmo?

E se o mundo dá voltas e eu sempre acabava terminando o dia na Cover Story, minha amiga Mariana sempre era mandada relutantemente todas as manhãs para The Darkroom, e com razão. Aquela loja de livros, CDs, DVDs e tantas coisas legais vendia frequentemente só uma coisa do seu estoque: magic bands. Se fosse só vender a maldita tava tudo certo, mas elas também precisavam ser imediatamente linkadas à conta do usuário, o que era feito em um programa que os ICPs não tinham acesso. E, obviamente, nós sempre estávamos sozinhos naquela loja, o que pedia uma ligação urgente para algum dos coordenadores vir e ativar o negócio, o que comumente demorava ou não acontecia. Era uma maravilha. Dica: antes de ligar, acene loucamente para a 5&10 e espere alguém perceber o seu sinal de fumaça, porque depender dos coordenadores em situações como essas é xingamento na certa dos guests, que irão exclamar veementemente que você está estragando toda a viagem deles. Você vai ficar assustado ao descobrir que essa é a frase mais ouvida por todo cast member, independentemente de role, raça ou credo. Não ligue. Você sabe que está fazendo o que pode e que as pessoas perdem muito a noção na Disney.

A Head to Toe é um mistério para mim, porque eu só fui mandada uma vez lá em todo o meu programa, no meu último dia. Lá é a loja que faz a bordagem de chapéus personalizados, assim como toalhas e meias de Natal. O trabalho lá não é pra ser muito estressante, porque quem faz a bordagem é outra pessoa treinada, mas a vibe daquele cubículo é muito agitada e você se sente um pouco na guerra, com gente gritando "MAKE IT WORK" com muitos sotaques carregados e crianças chorando. Você, na sua insignificância em meio ao caos, só anota os pedidos e finaliza a transação e reza pra dar certo.

Um dia no meu treinamento na Head to Toe, meu gerente chegou com um chapéu rosa bebê da Minnie e disse que nós iríamos fazer uma surpresa muito especial pra uma família. Nas mãos, ele tinha os resultados um ultrassom, que nem os pais tinham visto ainda, e quem iria revelar a notícia seria o próprio Mickey, ao entregar uma caixinha para eles contendo com o chapéu, o exame e uma foto nossa segurando uma plaquinha "IT'S A GIRL!". Foi mágico demais.

E se eu achava que nenhuma location se comparava em níveis de estresse ao Right Block, tudo mudou quando, na semana do Natal, eu fui transferida para o outro lado da rua. O Left Block.

"Welcome to Mickey's of Hollywood. Leave your sanity at the door."

O clima naquela loja, a maior do Studios, era de soldados compatriotas dividindo trincheiras, bombas explodindo por todos os lados, gente gritando por ajuda e fugindo para as montanhas (ou só o backstage). Aprendi muito naquela semana e tenho as cicatrizes para provar. Just kidding. A Mickey's é dividida em várias zonas, que englobam todo o merchandise do parque, e é o primeiro e último destino de todo guest que visita o DHS. Tenho flashbacks às vezes de cabides me soterrando num depósito, e eu sei de onde eles pertencem. Tive a sorte de só lidar com os gerentes e coordenadores mais queridos dessa área, além de compartilhar histórias hilárias de trabalho com os outros ICPs dessa location, então sim, eu sou muito grata pela experiência de ter trabalhado lá, embora ainda tenha pesadelos de encontrar guests entrando no meu quarto e eu estar deitada na cama, que faz parte da decoração, e precisar atendê-los. True story.

A Keystone Clothiers é o paraíso do cast member do Left Block. Quando seu colega chega com uma cara meio suspeita e um papel na mão, se não for a hora do seu break, ele provavelmente está de mandando pra fora da linha de fogo, em algum lugar na Keystone, a loja do lado. Ela é basicamente uma loja de roupas adultas, joias e acessórios, além de ser muito tranquila de trabalhar e ter uma posição bastante estratégica na hora da Dance Party. Adorava ficar lá por motivos óbvios, menos quando precisava ser consultora de charms da Pandora, porque não entendia nada disso, mas inventava que só, o que gerava situações bem engraçadas pra mim: "Sim, acredito que esta seja uma coleção exclusiva de 2015" ou "Esse modelo sai bastante, talvez você goste mais desse aqui".

Fui deployed (transferida) mais uma vez no meu programa, dessa vez para a Sunset Boulevard, que foi a minha semana mais agradável de trabalho. Fiquei nas lojas Once Upon a Time, logo ao lado do teatro da Bela e a Fera, que vende coisas de princesa, brinquedos e roupas; a Reel Vogue, antiga loja de vilões, que hoje vende jogos de tabuleiro, pelúcias e doces; a pequena loja de Toy Story logo ao lado da atração; e a Legends of Hollywood, a loja do "Frôzi".

Destaque para essa última locação, em que eu tive que responder cada pergunta de brasileiro que não me aguentava séria.

- É aqui que sai a Frôzi?
- Desculpe, senhora?
- É nessa loja que encontra a Frôzi?
- Ah, sim. Não, senhora, a Elsa e a Anna não ficam aqui na loja. Elas tem um show musical no teatro azul que fica...
- Então elas não saem por aquela porta?
- Não, senhora, ali é só o nosso depósito.

Entre outras pérolas.

Trabalhar na Disney foi uma experiência especial demais. Ser merchan foi algo incrível e desafiador, apavorante e libertador, tudo de uma vez só. Às vezes acordo sem entender como aquilo tudo foi real, de volta à minha realidade como sapo, sem mais estar a 15 minutos do Magic Kindgom ou a um telefonema de distância de tantos amigos, tantas aventuras esperando pra começar. O trabalho é difícil, exaustivo, não nego, mas não é essa questão. A superação pessoal, sim. A vontade de fazer a diferença com as suas pequenas ações. O sorriso discreto no rosto após cada barreira vencida, lição aprendida. Não há palavras para descrever o ICP. Há uma palavra, porém, que chega bem perto: faça.

                           

Nos próximos posts, falarei sobre os outros aspectos do programa: acomodações, dias de folga nos parques, Grace Period, entre muitas outras coisas.

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